terça-feira, 24 de novembro de 2009

IMIGRAÇÃO ARABE NO BRASIL E SUAS INFLUENCIAS - ARABES SOMOS NÓS

O meu interesse pelas raizes e pela história vem se desenvolvendo já ha alguns anos e comecei a colecionar a Revista de História da Biblioteca Nacional, que sempre vem repleta de releituras e redescobertas sobre a História recente de nosso Brasil, em artigos fascinantes escritos e elaborados através do acesso de antigos e novos historiadores dentro dos arquivos da Biblioteca Nacional.


Ha algumas edições passadas foi feito uma série de matérias sobre a imigração Arabe no Brasil, revendo essa influência tão forte inserida em nossa cultura atual, seja no vocabulario, no comérico, na religião e no jeito de ser e pensar do brasileiro.

O link do acervo digital da revista com todas as edições:  http://www.revistadehistoria.com.br/

Os links da matéria especial sobre os arabes:

http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2496
http://www.blogger.com/goog_1259074750517
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Abaixo seguem as matérias de maravilhoso conteúdo:


DA ALFACE AO CAFEZINHO

ALICERCES, RECIFES E ACEPIPES

O árabe tem vasta presença na língua portuguesa. A influência que chegou ao Brasil é linguística, mas também literária, religiosa e cultural.
Paulo Daniel Farah

Altair, recém-casada, mora nos arrabaldes de uma aldeia do interior, põe o seu vestido de chita e o xale. Pega o garoto, um azougue de menino, lava-o e passa-lhe talco. Se o garoto tosse, dá-lhe uma colher de xarope, empapa o algodão em cânfora e faz massagem nas suas costas. Vai à cisterna, prende a azêmola na argola da manjorra, põe água na modesta jarra. Vai fazer café e adoça-o com saboroso açúcar-cande. O marido, um mameluco, conhecido pela alcunha Boca-Torta, bem cedinho, já se levanta com enxaqueca, põe as ceroulas, o terno cáqui, bem lavadinho com anil, toma um trago de conhaque de alcatrão São João da Barra ou, se não o tem, vai ao alambique, sorve um gole de jeropiga. Toma a tarrafa e vai pescar no açude. Outras vezes, prefere caçar javali; limpa o azinhavre da espingarda de grosso calibre, sai com o fraldigueiro chamado Sultão e volta com algumas arrobas de carne às costas. À hora do almoço, Altair lhe traz umas azeitonas. Senta-se com ele, e principiam uma salada de alface bem regada a azeite. Vem depois o espinafre, a cabidela, a carne ou o peixe escabeche, ou com alcaparra, que ingere com arroz bem soltinho. Ela lhe oferece um prato com acelga, que rejeita. Prefere alcachofra, por causa do fígado. Vai tomando refresco de tamarindo. À sobremesa, uma boa laranja seleta.

A presença das palavras de origem árabe na língua portuguesa é tão vasta que Antônio José Chediak pronunciou um discurso no Festival Árabe de 1972 no qual utilizou um número impressionante de vocábulos com essa origem.

Em sua permanência de quase oito séculos na Península Ibérica, os árabes contribuíram com centenas de vocábulos para o léxico da língua portuguesa, ainda durante seu período de formação. Segundo Antônio Houaiss (1915-1999), do total de cerca de três mil palavras do português primitivo, no mínimo 800 têm origem árabe. “A partir do século XII, quando começa a esboçar-se a consolidação da língua portuguesa como tal, o árabe estava presente, mas com esta dualidade: enquanto o árabe da Península Ibérica era o de uma língua de cultura, o português, ou aquilo que deveria ser o português da Península Ibérica, era uma língua natural. O árabe, como tal, teria todas as condições para prevalecer, e estava visivelmente prevalecendo na Península Ibérica, onde se radicara. Foi só com a Reconquista que houve a expulsão dos árabes e dos arabizados, graças ao que o português pôde conquistar terreno”, explica Houaiss.

As contribuições lexicais árabes se fazem perceber em áreas diversas, como as ciências exatas, a administração, a religião, a agricultura, a arquitetura, a culinária e a literatura. Em português, é expressivo o número de palavras que começam pela letra “a” e que têm origem árabe – entre muitas outras, alvará (documentada em português desde 1331), alfaiate, açúcar, arroz, azeite, alface, alfândega, almofada, almôndega, açude, aldeia, algema, algodão, alicerce e alquimia.

“Al” é o artigo definido em árabe – independentemente do gênero e do número. Com frequência, os portugueses o incorporavam às palavras que ouviam, sem compreender que se tratava do artigo. Ao compararmos a palavra “al-godão” com cotton, em inglês, coton, em francês, ou cotone, em italiano, isso fica claro. O mesmo se verifica quando comparamos a palavra “ar-roz” com rice, em inglês, riz, em francês, ou riso, em italiano. A única diferença é que, por uma questão fonética, ocorre uma assimilação – como acontece no caso das letras ditas solares. Assim, não se fala “al-ruzz” em árabe, mas “ar-ruzz” (daí “arroz”).

Na passagem do árabe para o português, é comum encontrar redirecionamentos semânticos – ou seja, palavras cujo sentido sofreu algum tipo de alteração. É o caso de “acepipe” (petisco), que originalmente (az-zebı¯b ou az-zabı¯b) designava “passa de uva”, bastante apreciada nas regiões árabes, como comprova o ditado “Darb al-habı¯b, akl az-zabı¯b” – “A bordoada de alguém querido é como degustar uva-passa”.

A mesma alteração de sentido ocorreu com “açougue”, que vem do árabe as-su¯q, ou “mercado”. Ainda hoje, é comum a referência ao mercado árabe como su¯q. Em português, virou local que vende carne. “Alarife” (mestre de obras, arquiteto, construtor) tem como origem o árabe al-arı¯f, “aquele que sabe e está bem informado”. “Álcool”, composto que, por extensão, passou a denominar qualquer bebida alcoólica, em árabe é al-kuhu¯l, forma vulgar de al-kuhul: “antimônio” ou “colírio feito em pó de antimônio”. “Alfândega”, do árabe al-funduqa (nome de unidade de al-funduq), é para os árabes uma estalagem, hospedaria ou hotel. “Alfarrábio” (livro antigo ou velho, de pouca ou nenhuma importância; ou livro há muito editado e que tem valor por ser antigo) vem de um sentido totalmente diferente: do árabe al-Fara¯bi, “nome de notável filósofo, músico e sociólogo originário de Farab”.

A palavra “arrecife” (ou recife) foi outra que ganhou novo sentido em português; seu ancestral árabe ar-rası¯f quer dizer “estrada pavimentada com rochedos”.  “Almanaque”, por sua vez, antes de ser a diversificada publicação que conhecemos, nasceu do termo árabe al-muna¯kh, “lugar onde o camelo ajoelha”, “clima”.

Não é novidade que houve inestimáveis contribuições árabes à matemática. O que nem todos sabem é que a origem de muitos termos da área é uma reverência explícita a esse legado. Um dos pioneiros dos estudos da álgebra foi o matemático e astrônomo do século VIII Al-Khwarizmi, originário de Khwarizm (atual Uzbequistão) e membro da Casa da Sabedoria, em Bagdá. Teve tanto reconhecimento que seu nome passou a designar a numeração decimal em arábico, sendo adotado pelo latim medieval (algorismus) por influência do grego arithmós e chegando ao português como “algarismo” e “algoritmo” (processo de cálculo ou tarefas para a solução de um problema).

É importante observar que em português existem muitas palavras de origem árabe que não se iniciam pela letra “a”: café, leilão, xarope, javali, zênite, xerife, xeque (ou xeique), oxalá, rabeca, rês, tâmara e tarifa, entre várias outras... Também nesses casos, o sentido de muitas palavras se modificou. “Cadimo”, que em português quer dizer costumeiro ou ardiloso, vem do árabe qadı¯m, “antigo”. “Xarope”, no Brasil um remédio, vem do árabe chara¯b, “qualquer líquido que se ingere”. “Faquir”, indivíduo que publicamente se submete a jejuns rigorosos e a duras provas de sofrimento físico sem dar sinais de sensibilidade, no árabe (faqı¯r) é usado para designar alguém pobre, miserável. Já “Javali” é o originário da montanha, montanhês (jabalı¯y).

A princípio os próprios árabes, e posteriormente a epopeia marítima portuguesa, carregaram esses vocábulos para diferentes regiões do globo, entre as quais o Brasil. Mais recentemente, a partir dos movimentos migratórios do século XIX, os árabes levaram para suas regiões alguns termos do português do Brasil que se incorporaram aos falares de parte de sírios, libaneses e palestinos.

A influência que a literatura árabe exerce em outras literaturas segue um percurso similar, direto ou indireto. É certo que a literatura portuguesa e também a brasileira sorveram da fonte literária árabe; além desse contato, por meio das obras que circulavam na Europa, em particular na Península Ibérica, fortaleceu esse vínculo a presença de escravos muçulmanos no Brasil (no tocante à literatura religiosa) e de migrantes árabes (em gêneros literários e estilos diferentes). Aqui cabe ressaltar o papel modernizante do encontro entre literatos árabes e brasileiros.
Muitas são as inspirações e as personagens árabes na literatura brasileira. Um dos autores que mais se valeram delas foi Jorge Amado. Na obra Gabriela, Cravo e Canela, o mascate Nacib cumpre função didática:

– Turco é a mãe!
– Mas, Nacib...
– Tudo o que quiser, menos turco. Brasileiro – batia com a mão enorme no peito cabeludo – filho de sírios, graças a Deus.
– Árabe, turco, sírio. É tudo a mesma coisa.
– A mesma coisa, um corno! Isso é ignorância sua. É não conhecer história e geografia...
– Ora, Nacib, não se zangue. Não foi pra lhe ofender. É que essas coisas das estranjas pra gente é tudo igual... H


Paulo Daniel Farah é professor da USP, diretor da Biblioteca e Centro de Pesquisa América do Sul-Países Árabes (BibliASPA) e autor de Deleite do Estrangeiro em Tudo o que é espantoso e maravilhoso: estudo de um relato de viagem bagdali (Argel, Caracas e Rio de Janeiro: BibliASPA, FBN, BNC e BNA, 2007).

Saiba Mais - Bibliografia:

HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente.  São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

NASSAR, Raduan. Lavoura Arcaica.  São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

CHEDIAK, Antônio José.  Reprodução integral do discurso no Festival Árabe de 1972. IN. Revista FIKR de Estudos Árabes, Africanos e Sulamericanos, Seção Confluências, p. 145. São Paulo: BibliASPA, 2008.

Saiba Mais - Site:

BibliAspa:
www.bibliaspa.com.br

ARABES COM CRISTO

TODA FORMA DE FÉ


Diversidade religiosa é a marca dos imigrantes árabes. Maronitas, ortodoxos ou muçulmanos, suas igrejas seguem firmes até hoje
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto

Pensar que todo árabe é muçulmano é um equívoco recorrente ainda hoje. Os povos árabes do Oriente Médio ostentam uma enorme diversidade de tradições e crenças cristãs, muçulmanas e judaicas. Os milhares de imigrantes sírios, libaneses e palestinos que desembarcaram no país entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do XX contribuíram para ampliar a pluralidade religiosa na sociedade brasileira.

Até meados do século XX, a imigração proveniente do Oriente Médio foi predominantemente cristã. Maronitas, melquitas, ortodoxos do rito antioquino, siríacos, católicos romanos e protestantes. A maioria dos libaneses era maronita, enquanto os sírios costumavam ser ortodoxos. Entre 1908 e 1941, 65% dos sírio-libaneses que entraram pelo porto de Santos eram maronitas, melquitas e católicos romanos, 20% eram cristãos ortodoxos e 15%, muçulmanos. Estes podiam ser sunitas, xiitas, alauítas ou druzos. Havia ainda imigrantes judeus de fala e cultura árabe.

A preservação da identidade religiosa era importante para aqueles que permaneciam ligados à comunidade sírio-libanesa ou mantinham laços com o território de origem. Já no início do século XX, diferentes instituições religiosas começaram a ser criadas pelos árabes no Brasil. No início eram sociedades beneficentes, sociedades de senhoras e “centros de juventude”, para só depois inaugurarem seus locais de culto. A intenção era promover formas de solidariedade entre os membros e compartilhar suas tradições com as novas gerações. Os ritos e dogmas das igrejas orientais, no entanto, causavam estranhamento na sociedade brasileira, que pressionava os imigrantes árabes a adotarem as práticas do catolicismo romano.

A comunidade ortodoxa foi uma das primeiras a criar instituições próprias no Brasil. Cristã, mas não católica, ela contava com recursos transnacionais da Igreja Ortodoxa Antioquina, cuja origem remete aos primórdios do cristianismo. Liderada pelo Patriarca de Antióquia, foi controlada por monges gregos até o século XIX, quando o surgimento dos ideais de nacionalismo entre os árabes levou à eleição de um patriarca dessa origem. Na mesma época, a Igreja Antioquina também estabeleceu relações com a Rússia, o que levou a um processo de renovação religiosa em língua árabe. Foi a casa real da dinastia russa dos Romanov que financiou, em 1917, a construção do primeiro templo ortodoxo do Brasil: a Igreja de São Nicolau, no Rio de Janeiro. Mas desde 1897 essa comunidade já possuía uma sociedade própria, em São Paulo. Hoje os ortodoxos se organizam em torno de dois arquimandritas (representantes patriarcais) – um no Rio e outro em São Paulo – com jurisdição sobre paróquias lideradas por padres em outros estados: Paraná, Goiás, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A liturgia era inicialmente feita em árabe com trechos em grego, mas desde 1938 é celebrada em português, embora tenham sido mantidos trechos em árabe e grego e os cantos que a caracterizam. A adoção do português mostra a crescente importância da segunda e da terceira geração de descendentes de imigrantes.

A primeira Sociedade Maronita de Beneficência também surgiu em 1897, em São Paulo, e o templo foi erguido seis anos depois. A liturgia maronita se parece bastante com a dos católicos romanos, mas é conduzida com ritual próprio em português, com trechos em aramaico. Essa Igreja deriva da pregação de São Marun, que viveu no século IV na Síria. Como os cristãos ortodoxos perseguiam os maronitas como heréticos, eles se refugiaram no Monte Líbano e criaram sua Igreja a partir do século VII. Durante as Cruzadas, os maronitas entraram em contato com o catolicismo romano, e no século XV aceitaram a autoridade papal, preservando, porém, sua autonomia eclesiástica.

Os melquitas, também católicos, tiveram presença importante entre os imigrantes árabes desde o século XIX, mas demoraram a afirmar sua autonomia dentro do catolicismo brasileiro – sua primeira igreja, a de São Basílio, no Rio de Janeiro, seria erguida apenas em 1941. Desde então, surgiram templos também em São Paulo, Minas Gerais e Ceará. A palavra melquita vem do árabe maliki, que quer dizer “aquele [fiel] ao rei/imperador”. Este era o nome original dos ortodoxos, cristãos fiéis ao imperador bizantino. Após um cisma na Igreja Ortodoxa, no século XVIII parte do clero e seus fiéis aceitaram a autoridade papal, mantendo suas diferenças litúrgicas. Formou-se assim a Igreja Melquita, com sede em Damasco. As cerimônias melquitas são celebradas em português, com algumas passagens em árabe.

Outras comunidades religiosas menos numerosas também se organizaram na primeira metade do século XX, como os judeus sírios no Rio de Janeiro, os árabes protestantes em São Paulo e os cristãos siríacos (sirian) em São Paulo e Belo Horizonte.

Os árabes muçulmanos criaram suas instituições religiosas mais tardiamente que os cristãos. A Sociedade Beneficente Muçulmana de São Paulo foi criada em 1929. Embora fosse marcadamente sunita, ela também era referência para os xiitas, que não contavam com uma instituição própria. Essas duas correntes sectárias do Islã surgiram após a morte de Maomé, no século VII. Os sunitas foram os que aceitaram a sucessão do profeta por Abu Bakr, que durante o exílio de Maomé havia sido encarregado por ele de dirigir as orações comunitárias em seu lugar. O termo sunita provém de sunna al-nabi e significa “tradição do profeta”. Os sunitas correspondem a cerca de 85% dos muçulmanos de todo o mundo. Os xiitas – “partido de Ali” – defendiam que a liderança da religião deveria ser exercida por descendentes de Maomé. Ali era primo e genro do profeta. Em São Paulo, os rituais islâmicos, como as orações diárias e a festa do fim do Ramadan (mês do jejum), eram celebrados no salão da Sociedade Beneficente até 1950, quando passaram a ocupar a Mesquita Brasil, a primeira do país, cuja construção se estendeu de 1942 a 1960.

Como não se identificam com a interpretação do Islã praticada pelos sunitas, os muçulmanos druzos e alauítas também criaram suas próprias instituições. Os alauítas são uma seita xiita que segue os ensinamentos de Muhammad Ibn Nusayr, um discípulo do 11º Imã (descendente de Maomé). A Sociedade Beneficente Alauíta foi fundada em 1931 no Rio de Janeiro. Os druzos, que se autodenominam “unitaristas”, surgiram no século X e têm uma interpretação esotérica do Islã. Possuem doutrinas que lhes são específicas, como a crença na reencarnação. Como a principal área de imigração dos druzos foi Minas Gerais, lá se concentraram suas instituições. Em 1929, foi fundada a Sociedade Beneficente Druziense em Oliveira (MG), transferida para Belo Horizonte em 1956. Em 1969, foi criado o Lar Druzo Brasileiro em São Paulo, e mais recentemente, um Lar Druzo em Foz do Iguaçu.

A vinda de árabes para o Brasil entrou em declínio após 1940, devido a medidas restritivas do governo brasileiro, que impôs cotas à imigração, e à independência da Síria e do Líbano. Porém, com a guerra civil libanesa (1975-1990), as guerras árabe-israelenses, a ocupação israelense dos territórios palestinos e do sul do Líbano (1982-2000) e a crise econômica, novas levas migratórias chegaram ao Brasil a partir dos anos 1970. Desta vez, eram muçulmanos em sua maioria. Nas últimas duas décadas, foram erguidas mesquitas sunitas no Paraná, em São Paulo, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. A do Rio de Janeiro só passou a abrigar as orações em 2007, estando ainda em construção. Mesquitas xiitas também foram construídas em São Paulo e Foz do Iguaçu. Algumas comunidades muçulmanas, como a de Curitiba, tornaram-se mistas sunita/xiita.

Desde a década de 1990, cresce também o número de brasileiros não árabes convertidos ao Islã e, em menor escala, às igrejas Ortodoxa e Maronita. O português passou a ser adotado no sermão das sextas-feiras em comunidades muçulmanas com grande número de convertidos, como a do Rio de Janeiro, e é crescente a oferta de cursos de língua árabe. A entrada de brasileiros não árabes nas comunidades religiosas criadas pelos imigrantes árabes mostra como elas já fazem parte da paisagem religiosa da sociedade brasileira.

Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto é professor de Antropologia na Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Oriente Médio (Neom/UFF).

Saiba Mais - Bibliografia:


KARAM, John. Um Outro Arabesco: Etnicidade Sírio-Libanesa no Brasil Neoliberal. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

KNOWLTON, Clark. Sírios e Libaneses: Mobilidade Social e Espacial. São Paulo: Anhambi, 1960.

LESSER, Jeffrey. A Negociação da Identidade Nacional: Imigrantes e Minorias e a Luta pela Etnicidade no Brasil. São Paulo: Unesp, 2001.

SAFADY, Jorge. “A Imigração Árabe no Brasil (1880-1971). Tese de doutorado em História: FFLCH/USP, 1972.

FAZEMOS QUALQUER NEGÓCIO

FIOS ARABES, TECIDOS BRASILEIROS



Desde o início do século XX, sírios, libaneses e palestinos exercem sua astúcia comercial nos quatro cantos do país
John Tofik Karam

Comerciantes espertos, o “mascate” árabe e o “turco da lojinha” são personagens que perambulam pelos contos de Cornélio Pires, pela poesia de Carlos Drummond de Andrade e pelos romances de Jorge Amado. A fama vai além da imaginação literária. Passando por campos, estradas e igarapés, os imigrantes árabes e seus descendentes também marcaram a ramificação do capitalismo tardio no país.

No final do século XIX, a produção cafeeira em São Paulo serviu de contexto para a chegada de sírios, libaneses, palestinos. Ao contrário de outros imigrantes da época, estes não vinham trabalhar nas lavouras, e sim abastecer como mascates (vendedores itinerantes) os moradores das roças e fazendas – de peões a fazendeiros. A iniciativa garantiu aos árabes um virtual monopólio daquele comércio de porta em porta: em 1895, eles representavam 90% dos mascates oficialmente listados na cidade.

Um dos mais famosos foi o libanês Benjamin Jafet. Em 1887, ele se tocou para o interior paulista mascateando linhas, agulhas, tecidos e outros artigos de armarinho. Com o lucro acumulado, juntou-se aos irmãos para estabelecer na capital uma das maiores indústrias têxteis do país. Assad Abdalla e Najib Salem foram outros pioneiros, abrindo na década de 1890 um “armazém de revenda” na atual Rua 25 de Março, bem no centro da cidade. Esses três negociantes faziam parte de uma rede de fornecimento de produtos para seus conterrâneos que mascateavam nas periferias. Até 1930, muitos desses mascates se transformariam também em “donos de lojinha”, dominando o atacado de tecidos e armarinhos em grande quantidade. Em pouco tempo eram centenas, e, concentrados na 25 de Março,  respondiam por metade dos lucros do atacado no setor têxtil brasileiro.

Não se restringiam ao comércio: quando a sorte lhes sorria, adquiriam suas próprias indústrias. Em 1945, estavam no comando de 27% das fábricas paulistas de fiação e tecelagem de algodão, seda, rayon, lã e linho. Completavam, assim, toda a cadeia de produção e distribuição: os industriais vendiam seus rolos de tecidos aos atacadistas majoritariamente árabes, que então os revendiam aos donos de confecções.

O Rio de Janeiro também tinha a sua 25 de Março. Como em São Paulo, os primeiros sírios e libaneses que aportaram na capital carioca no final do século XIX instalaram-se em pontos próximos à rede ferroviária e ao porto. Em pouco tempo, a Rua da Alfândega servia de entreposto de fornecimento e revenda, onde os mascates iam acertar suas contas e buscar as miudezas que vendiam nas freguesias urbanas e rurais. Em meados do século XX, o comerciante libanês Jorge Tanus Bastani e seu pai costumavam encher seus baús de “meias, linha, algodão, quinquilharias, anéis, medalhões e pulseiras de fantasia, agulhas, pentes, sabão e uma infinidade de outros objetos”, antes de partir “em direção às fazendas”.

Como ocorreu em São Paulo, mascates como o pai de Bastani viraram lojistas na Alfândega e nas redondezas, dominando o comércio atacadista de tecidos e artigos de armarinho. Em 1962, decidiram se juntar e fundar uma associação, a Sociedade dos Amigos e Adjacências da Rua da Alfândega, ou simplesmente Saara, sigla que acabou batizando toda a área. Segundo seu fundador, Demétrio Charl Habib, o objetivo inicial era defender a região de um plano de renovação urbana do recém-criado Estado da Guanabara: a reforma atravessaria o meio da rua. Quase uma década depois, os comerciantes árabes de São Paulo também criaram sua associação, a Univinco, União dos Lojistas da 25 de Março. Hoje em dia, esses lugares são sinônimo de comércio popular e ficaram marcados com monumentos em homenagem à figura do vendedor itinerante árabe. Na região da Saara é o “Mascate”; na área da 25 de Março, é a “Amizade Sírio-Libanesa”.

Se no Sudeste esses imigrantes foram atraídos pela industrialização, na Grande Amazônia os negócios se entrelaçaram com a produção da borracha. Ao chegarem à região no final do século XIX, os vendedores itinerantes árabes ficaram conhecidos como “regatões”. Na primeira década do século XX, já haviam alcançado boa parte das margens fluviais do Rio Amazonas. À sombra das firmas estrangeiras exportadoras, muitos regatões prosperaram no incipiente mercado de consumo da região. Nos anos 1920, com a queda do preço da borracha, alguns dos chamados “turcos” compraram firmas de imigrantes já estabelecidas em Belém do Pará. Outros preferiram ficar no comércio na fronteira Brasil-Bolívia. A inauguração da Zona Franca de Manaus, em 1957, facilitou ainda mais a abertura de novos negócios.

Meu bisavô, Abdo Bichara Ghosn, foi um dos que trocaram o Líbano por Porto Velho, no atual estado de Rondônia, logo após a virada do século XX. No Brasil, ficaria conhecido como Abidão Bichara. Junto com dois cunhados, desceu o Rio Madeira até os povoados de Abunã e Guajará-Mirim. A empresa familiar encomendava a mercadoria, principalmente secos (grãos), de Manaus e Belém perto do final da época das chuvas. Estocava o material em um armazém no centro de Porto Velho e aguardava o início do período da seca. Quando os estoques de outras lojas já estavam esgotados, aí, sim, Bichara e seus cunhados punham sua mercadoria à venda, por um preço elevado.

Memórias semelhantes têm os descendentes de árabes que viviam no Oeste do Paraná e na região da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. Embora essa zona fosse atravessada por mascates desde o final do século XIX, sírios e libaneses só se instalaram de forma definitiva em 1951. Os primeiros haviam partido de Balloul e de Lala, duas cidades vizinhas do Vale do Bekaá, no Líbano. Percorrendo as ruas sem asfalto de Foz do Iguaçu e de Ciudad Presidente Stroessner (hoje Ciudad del Este), no Paraguai, ofereciam seus produtos de porta em porta. Como havia poucos armarinhos, confecções e manufaturados nacionais na região, decidiram abrir, no centro de Foz do Iguaçu, as primeiras lojas para atender clientes brasileiros e paraguaios.

A partir dos anos 1970, com a chegada contínua de patrícios do Vale do Bekaá e do Sul do Líbano, os árabes dominaram o comércio nos bairros próximos à Ponte da Amizade, que une as cidades dos dois países. Como líderes do chamado “comércio de exportação”, revendiam para os importadores paraguaios produtos das indústrias de São Paulo ou de Santa Catarina. As leis federais de incentivos fiscais à exportação de manufaturados, criadas na década de 1960, só aumentaram seus lucros. E ainda diminuíram os preços dos produtos. Nos anos 1980, os árabes estavam à frente de muitas das 600 empresas exportadoras de Foz do Iguaçu, supostamente envolvendo 70% da população economicamente ativa do município.

Enquanto os árabes que viviam em São Paulo, no Rio de Janeiro e na Grande Amazônia desenvolviam seus negócios à sombra do imperialismo econômico do Norte, no Paraná e na zona fronteiriça da América do Sul seus conterrâneos marcavam a ascensão do Brasil como poder regional sul-americano depois da Segunda Guerra Mundial.

John Tofik Karam é professor na Universidade DePaul, em Chicago (EUA), e autor de Um outro arabesco: Etnicidade sírio-libanesa no Brasil neoliberal (Martins Editora, 2009).


Saiba Mais - Bibliografia:

LESSER, Jeffrey. Negociando a Identidade Nacional: Imigrantes, Minorias e a Luta pela Etnicidade no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2001.

RABOSSI, Fernando. “Árabes e muçulmanos em Foz do Iguaçu e Ciudad del Este: notas para uma reinterpretação”. In: Mundos em Movimento: Ensaios sobre migrações. SEYFERTH, Giralda; PÓVOA, Hélion; ZANINI, M.C.; SANTOS, M. (orgs.). Santa Maria: Editora da Universidade Federal de Santa Maria, 2007.

TRUZZI, Oswaldo. Sírios e Libaneses: Narrativas de História e Cultura. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

Arabes Somos Nós - A Imigração Arabe no final do Seculo XIX

VERDE, AMARELO, AZUL E MOURO


Marcantes em nossa cultura desde a colonização, os árabes se adaptaram muito bem ao Brasil. E o Brasil a eles
Oswaldo Truzzi

Seja por sua profunda influência em Portugal, seja pela forte imigração no último século, a cultura árabe tem presença garantida na história e na sociedade brasileiras.

Junto com os colonizadores, no século XVI, desembarcaram heranças de sua língua, música, culinária, arquitetura e decoração, técnicas agrícolas e de irrigação, farmacologia e medicina. É que os árabes dominaram por quase oito séculos a Península Ibérica. Significativamente, Granada, seu último reduto em solo europeu, foi conquistada pelos cristãos em 1492, mesmo ano em que Colombo chegava à América.




Foram os árabes que introduziram na Europa coisas tão básicas como os algarismos decimais – em substituição aos romanos, difíceis de usar para cálculos –, jogos, como o xadrez, e a própria arte caligráfica, pois encaravam a palavra escrita como o meio por excelência da revelação divina. Na culinária, difundiram o uso do café, de doces próprios e produtos de pastelaria, do azeite, em substituição à proibida gordura de porco, e de muitos outros temperos, como o açafrão, a noz-moscada, o cravo, a canela e pimentas. 



Recebemos tudo isso indiretamente, via colonização, em uma ampla variedade de aspectos. Até mesmo o bom costume da limpeza pessoal, que muitos atribuem somente aos indígenas, deve um tributo aos árabes. Foi Gilberto Freyre, em seu Casa-Grande & Senzala, quem apontou o contraste da “higiene verdadeiramente felina dos maometanos com a imundície dos cristãos”.

Na música, o alaúde teve vasta descendência nas Américas, procriando verdadeiras famílias de instrumentos caribenhos, o bandolim e o cavaquinho brasileiros, a charanga do altiplano andino e o banjo dos negros norte-americanos. A gaita árabe é possível antecessora da gaita ibérica, e o adufe, precursor do pandeiro.


A aridez dos solos desérticos capacitou-os como mestres nas técnicas agrícolas e de irrigação, importando para a Europa o moinho d’água, avô do engenho colonial, e lá semeando o algodão, a laranjeira, a criação do bicho-da-seda, o cultivo do arroz e da tão “brasileira” cana-de-açúcar. As próprias técnicas construtivas, como a telha de barro do tipo capa e canal, ou ainda a taipa de pilão, tão dominante nos primeiros séculos do Brasil, são de influência nitidamente árabe.

O segundo movimento marcante foi a chegada direta de imigrantes, sobretudo sírios e libaneses, a partir do final do século XIX. É possível que a visita do imperador D. Pedro II a Beirute e a Damasco, em 1876, tenha servido como primeira aproximação cultural entre as áreas de origem da imigração árabe e o Brasil. Mas essa circunstância, por si só, não seria capaz de lançar tantos espíritos inquietos na aventura de uma odisseia tão distante. A pretensão inicial era uma migração temporária, para amenizar as dificuldades financeiras enfrentadas por suas famílias.

Viviam um tempo de restrições econômicas, por conta da entrada de produtos industrializados europeus (que minou a renda derivada da produção artesanal), de algumas pragas agrícolas e da necessidade de mais terras para a incorporação de herdeiros. Além desses motivos econômicos, outros fatores relevantes influenciaram a decisão de partir, como a competição por status entre famílias nas aldeias e os frequentes conflitos religiosos entre cristãos e muçulmanos. Preocupante também era o recrutamento militar obrigatório empreendido pelos turcos, em uma época de riscos provocados pela decadência do Império Otomano.

De qualquer modo, os migrantes não eram aventureiros isolados, mas indivíduos inseridos num contexto familiar, dispostos a acumular capital durante certo tempo e depois voltar ao seio da família e da aldeia de origem. Entretanto, o que pretendia ser provisório acabou se tornando permanente: em vez de o imigrante retornar, em muitos casos foi o restante da família que veio se juntar a ele no Brasil.

Redes de parentes, amigos e conterrâneos se articularam, fornecendo referências valiosas aos que decidiam vir. Na mente de cada emigrante formou-se uma geografia imaginária: um tio em São Paulo tornava aquela capital brasileira mais próxima de sua aldeia na Síria ou no Líbano do que a Espanha, ali do outro lado do Mediterrâneo. Interesses e favores dos muitos conhecidos propiciavam o início da vida no novo país: casa, trabalho, escola para os filhos.
Muitos dos já estabelecidos ofereciam um crédito inicial – sob a forma de mercadorias, por exemplo – aos recém-chegados. Esse intenso movimento migratório alcançou os rincões mais remotos do continente.



Onde quer que chegassem, eram chamados da mesma forma: “turcos”. Uma confusão que os ofendia duplamente – pelo equívoco geográfico e por referir-se a seus dominadores históricos. Culpa dos passaportes que usavam, até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) expedidos pelo Império Otomano.

No Brasil, a maioria era de origem libanesa ou síria. Sua principal ocupação nos países de origem havia sido a agricultura, mas por aqui abraçaram como profissão o comércio. Perseguiam a autonomia de gerir seu próprio negócio, ainda que este fosse minúsculo a ponto de caber em uma caixa de vendedor ambulante. A maior concentração ocorreu em São Paulo, mas os “turcos” se espalharam por todo o país. Exemplo curioso dessa abrangência geográfica: foi um mascate libanês quem filmou as únicas imagens conhecidas do cangaceiro Lampião, na década de 1930. 








Benjamin Abrahão, que era também fotógrafo e homem de confiança do padre Cícero, infiltrou-se no bando e gravou momentos do seu cotidiano, como narra o filme “Baile perfumado” (Paulo Caldas e Lírio Ferreira, 1996). 




Os árabes mascateavam também pelas zonas rurais, mas fixaram-se sobretudo nas cidades, inicialmente em cortiços, moradias populares com cômodos para alugar, onde se aglomeravam famílias inteiras em espaço reduzido. A vida girava em torno da família e do trabalho. Loja na frente, casa nos fundos ou no andar de cima do sobrado, família “mourejando”, trabalhando “como mouros”.

Mas o balcão das lojas não seria o ponto de chegada de suas trajetórias. De mascates a pequenos comerciantes, depois varejistas, atacadistas e industriais. Vencidas as dificuldades da primeira geração, os pioneiros trataram de buscar para seus filhos a ascensão socioeconômica via educação. Queriam vê-los como doutores – especialmente médicos e advogados –, e assim muitos o fizeram, aproveitando-se, no início, de clientelas cultivadas na própria colônia, depois estendidas a outros estratos sociais.

A partir de então, a inserção privilegiada e o amplo conhecimento social angariado desde os tempos de mascate, aliados à legitimidade que um diploma conferia, frutificaram em carreiras públicas. Em todo o continente menciona-se o grande número de descendentes de árabes na política, como os presidentes Turbay Ayala na Colômbia, Abdalá Bucaram no Equador e Carlos Menem na Argentina. De posições destacadas em áreas como a linguística e a medicina, a presença árabe chegou ao que há de mais popular no Brasil: o futebol, o jogo do bicho, as escolas de samba. O que demonstra, apesar da origem cultural relativamente distante, uma extraordinária capacidade de adaptação à nova terra.

Outra peculiaridade que ilustra essa integração vigorosa é a incorporação de iguarias à culinária local. Em São Paulo, de acordo com o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, um quarto das refeições servidas provém da culinária árabe. Algumas receitas difundidas pelos imigrantes integram hoje a dieta habitual da classe média brasileira, como o quibe, a esfiha, o tabule, a coalhada, o babaganouche, o pão sírio e a lentilha. 





Restaurantes especializados em cozinha árabe (ou em adaptações inspiradas nela) proliferaram de tal forma que não há guia gastronômico sem uma seção dedicada a eles ou shopping center em cuja praça de alimentação um deles não esteja presente.

Até hoje, mais de um século após a vinda dos primeiros imigrantes, nas entrevistas colhidas entre os mais velhos, entre aqueles capazes de olhar para trás conscientes das dificuldades enfrentadas e do caminho percorrido, o balanço da trajetória e da vida não deixa de registrar depoimentos emocionados. “Na vida brasileira a gente adquire desde a infância uma tolerância que não existe lá (...) Eu estou satisfeito da minha vida, confio no Brasil, aqui é minha terra”.

Esse sentimento de gratidão e confiança, em geral embalado por uma considerável mobilidade socioeconômica, resume a bem-sucedida história dos imigrantes sírios e libaneses no Brasil, um país tributário da cultura árabe desde a alvorada da colonização. H

Oswaldo Truzzi é professor da Universidade Federal de São Carlos e autor de Patrícios – Sírios e Libaneses em São Paulo (Hucitec, 1997).

Saiba Mais - Bibliografia:


FREYRE, Gilberto. Casagrande & Senzala. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1969.

GREIBER, Betty Loeb et alii. Memórias da imigração - libaneses e sírios em São Paulo. São Paulo: Discurso Editorial, 2000.

KARAM, J., T.. Um outro arabesco: etnicidade sírio-libanesa no Brasil neoliberal. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

KNOWLTON, Clark S.. Sírios e Libaneses: mobilidade social e especial. São Paulo: Anhambi, 1961.








sábado, 21 de novembro de 2009

Dr. Edgard Achê - Um exemplo de vida

Este blog homenageia os Achês que passaram para um plano superior, entre eles meu tio o Dr. Edgard Achê, primo querido de meu pai e que nos cuidou desde que eramos pequenos, como atencioso pediatra que foi, salvando e auxiliando vidas dos mais novos por mais de três decadas, deixando sua esposa Neusa Maria Quintino Achê, sua Filha Dra. Flavia Achê e o seu filho Dr. Edgard Achê Jr. ambos os filhos seguiram a carreira e o legado do pai na pediatria.  Dr Edgard, meu tio, você vive em nossas memórias eternamente e dentro de nós.

Achei a seguinte nota na internet:


Jorge Rodini respondeu:
Gutierritos
O chopp na veia do texto é um brinde ao Pinguim, que perdura até hoje com três unidades , uma no centro, outras em dois grandes shopping’s e você já está convidado para brindarmos juntos.O Dr. Raya foi secretário da saúde de Ribeirão por várias gestões e faleceu há alguns anos. Minha namorada foi seu braço direito em uma das gestões. Grande homem, excelente médico e ótimo administrador.
O Dr. Achê , pai de um amigo meu, Achê Jr,que também seguiu a carreira de pediatra, morreu no final do ano passado. Fui ao seu enterro. Outra excelente figura humana.
Abraços
GUTIERRITOS respondeu:
JORGE
Ficamos, em minha família, muito tristes com a noticia do falecimento do Dr. Achê. Tristes mesmos.
Temos por ele não só uma admiração, respeito, mas um sentimento muito maior de apreço e amizade.
Ainda, no ano passado ele nos atendeu, por telefone. E minha sobrinha esteve lá, em seu consultório, para tratar de sua filhinha.
O Dr. Raia eu já sabia que falecera- um grande homem público também. Notável médico e dirigente da Saúde Pública aí em Ribeirão. Grande perda para Ribeirão Preto.
Agora, o Dr. Achê não era para nós apenas um notável médico, mas um amigo, um companheiro de jornada na vida, um homem extraordinário. Nem sabe como ficamos tristes com essa notícia.
Sabe, quando a gente telefonava para ele, perguntava de nossa família toda, que pessoa boa, linda. Queria saber de meu filho e de minha filha. Esta que o Dr. Raia e ele, Dr. Achê operaram verdadeiro milagre, salvando-a da morte.
O Dr. Achê continuou o tratamento de minha filha por longos anos, desde nenenzinha, pois ela não tinha resistência, era uma doente crônica. Ainda escreverei sobre isto.
Jorge, esses homens, esses médicos maravilhosos, são espíritos de luz que vieram ao mundo para proteger a humanidade. Foram médicos no sentido mais exato de seu significado. Humanos, humildes, caridosos, bondosos. Não sei mais o que falar deles. A partida deles trouxe-nos uma dor incomensurável!
Não estou conformado, ainda, com o passamento do Dr. Achê.
Ah, e o Dr. Aprile ? Como está ? Conheceste-o ? Fazia parte da equipe médica.
Obrigado pela tua informação.


Tambem uma entrevista emocionante com o nosso eterno Dr Edgard Achê:

Perfil


Dr. Edgard Ache
Pediatra
Há quanto tempo o senhor é médico, e porque optou pela pediatria?
Exerço a profissão há 36 anos, e sou formado pela USP-Ribeirão na 7ª Turma (1962). Logo após fiz residência por três anos no serviço do Prof. Woiski. Posteriormente fiz mestrado em nutrição e metabolismo, permanecendo na Faculdade por mais sete anos como instrutor de ensino na pediatria. Sempre gostei muito de crianças, e o trabalho com os professores Woiski e Raya reforçaram a minha opção pela especialidade.
Em 73, fui convidado pelo Dr. Raya para participar de sua clínica, juntamente com o Dr. José Mariano de Oliveira, permanecendo com eles por 22 anos. Em 1994, com a formatura de meus filhos, Edgard Ache Jr. e Flávia Ache em pediatria, resolvi montar a Clínica Ache, com o prazer redobrado por trabalhar em família.

Quando começou seu relacionamento com o São Lucas?
Ao sair do HC em 1974, optei por utilizar o Hospital São Lucas, porque na época tinha os mais avançados equipamentos e conceituado corpo clínico e uma excelente maternidade.
Com o passar dos anos o São Lucas perdeu terreno, principalmente em relação à maternidade. Atualmente, com a nova diretoria, ressurge um novo São Lucas, que implantou uma UTI Neonatal de primeira linha e uma Maternidade bem equipada, porém ainda pequena para a grandeza do São Lucas.
O que a medicina lhe proporcionou neste período e qual foi o maior desafio?
Nestes 30 anos dedicados, a medicina me proporcionou muita satisfação por poder colaborar para amenizar a dor dos pequenos pacientes. O maior desafio foi a responsabilidade de sair da faculdade para trabalhar com o professor Raya. Graças à Deus formamos um grupo de muita lealdade, personalidade e companheirismo.
Como o senhor avalia o exercício da medicina hoje?
Devido ao crescimento dos planos de saúde, o médico hoje tem que se desdobrar para atender os pacientes, que em muitos casos não são fiéis, pois são pacientes do "plano". Uma das saídas que diminuíram esta sobrecarga de trabalho, foi a criação de cooperativas médicas, que amenizaram o problema. Porém, se compararmos com o que acontecia antigamente, constataremos que ser médico antigamente era muito melhor, pois dedicávamos mais tempo aos pacientes, estabelecendo uma relação de confiança e amor.
O que faz nas suas horas de lazer e quais a personalidades que admira?
Nos feriados e finais de semana, não abro mão de uma boa pescaria em companhia dos amigos, num lago de 5 alqueires, de meu amigo Francisco Mele, na Usina Barbacena, e uma vez por ano, pesco no Pantanal. Aprecio também um bom filme de romance. Admiro o professor Woiski e todos o professores da USP, que colaboraram para a minha sólida formação.
Com conseguiu conciliar a vida pessoal com a profissional?
Como todos sabem, a trajetória de um médico é muito sacrificada, mas graças à Deus eu tive o privilégio de encontrar a companheira ideal. Neusa Maria Quintino Ache, com a qual estou casado há 36 anos. Neste período tivemos dois filhos, Edgard e Flávia. Meu neto Pedro e minha nora Cristina, completam meu tesouro, pois são as maiores jóias de minha vida.
Qual a maior recompensa da Vida?
Da minha, é a satisfação de aos 62 anos, trabalhar ao lado de meus filhos, exercendo a pediatria e ver o resultado de todos esses anos dedicados à medicina, atendendo os filhos dos filhos de meus primeiros pacientes. Tudo isso é possível por causa de minha maravilhosa família.

fonte:  http://www.hslucas.com.br/web/boletim06.html

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A Familia Achê - Chegada ao Brasil - Ribeirão Preto, SP



Os pioneiros decendentes da familia Achê deixaram a Siria na região de Hims para o Libano onde embarcaram no ínicio do século e migraram para Ribeirão Preto por volta de 1910, a convite de amigos, que tambem haviam deixado o país Asiatico para fugir da pobreza e tentar uma vida digna na promissora terra do café.


 O patriarca Manoel Achê nasceu em 30 de Outubro de 1886, na Siria, onde se casou com Martha Miguel Achê.

 Lá, tiveram o primeiro de seus onze filhos, Antonio Achê, nascido em 5 de Junho de 1905. Ao desembarcar em Ribeirão Preto, a familia não tinha muito dinheiro e as poucas economias de Manoel foram impregadas na montagem de um armazém na Avenida Saudade, nos Campos Elisios.



Em Ribeirão Preto, nasceram os outros filhos do casal: Nicolau, Inácio, João, José, Elias, Alfredo (Fué), Rubens, Sérgio, Gioconda e Farid.


Antonio, o filho mais velho, começou a ganhar dinheiro como viajante, comprando e vendendo fumo e carros em Ribeirão Preto e Goiás. João trabalhava em Campinas, em uma fábrica de maquinas de costura, enquanto Inácio era funcionario da Companhia de Força e Luz, em Ribeirão Preto, sendo o responsavel pela colocação de postes nas fazendas da cidade e da região. José aprendeu o oficio de farmaceutico e tornou-se auxiliar de farmacia. Alfredo, chamado pela familia de Fué, nome Sirio, era bancário, e Nicolau era representante comercial de uma grande empresa de cigarros. Os caçulas Rubens e Sergio só começaram a trabalhar quando o irmão Antonio montou a empresa de onibus.




Com o final da Segunda Guerra Mundial, Ribeirão Preto estava mal-estruturada, com serviços ineficientes de telefone, distribuição de agua e sistema de transporte coletivo em Ribeirão Preto, quando os onibus da cidade ainda eram movidos a gasogenio. A familia resolveu investir pesado em uma moderna frota de onibus urbanos para a cidade.

 Na época, o municipio possuia apenas veiculos velhos e superados. O patriarca Manoel Achê vendeu o armazém e ajudou o filho Antonio, que havia juntado razoavel quantia em dinheiro como viajante, a abrir uma empresa de onibus urbanos. Trabalhando duro, o pai e os filhos investiram nos modernos GM Coach, e, na decada de 50, as ruas de Ribeirão Preto ja eram servidas por 15 carros, que cobriam varias linhas, e outros cinco carros reservas, para emergencias. As linhas serviam a cidade em todas as direções: Alto do Barracão, Bosque, Vila Virginia, Higienopolis e Vila Tiberio. A empresa tambem inaugurou os horarios noturnos, como o de meia-noite e meia para os trabalhadores que ficavam nas empresas até mais tarde.

No inicio, o negocio era tocado exclusivamente pela familia. Os 11 irmaos trabalhavam dia e noite para que os onibus pudessem circular pelas ruas. Nao fossem os problemas e as dificuldades enfrentadas, a empresa de onibus Antonio Ache & Cia Ltda. poderia estar em funcionamento até hoje.


 Em 5 de Julho de 1949, a empresa firmou um contrato com a Prefeitura para exploração do transporte coletivo de passageiros, por meio de concessão, pelo periodo de 30 anos. A empresa da familia prosperou até meados da década de 50. No entanto, depois desse contrato, os irmãos começaram a enfrentar dificuldades, pois não tinham permissão para aumentar a tarifa. As peças de reposição para os veiculos tinham de ser importadas.


Cada vez mais pressionados, os Achê não puderam dar continuidade a firma, que na epoca empregava cerca de 60 funcionarios.  Em 24 de maio de 1956, a empresa entrou em colapso e os onibus foram recolhidos a garagem, onde permaneceram por cerca de tres anos tomando sol e chuva.  Nesta mesma data, a fiscalização da Prefeitura comparecia ao escritorio da Antonio Achê & Cia Ltda., localizado na rua General Osorio para comunicar a familia que seria dado inicio ao imperio da Viação Cometa na cidade, a nova concessionaria de transporte coletivo.


Antonio Achê vendeu a frota de onibus, a garagem, localizada na rua Tamandaré, o posto de gasolina, situado na esquina das ruas Visconde de Inhauma e São Sebastião , e a agencia de carros importados Dodge, ao lado da Catedral.  Pegou o dinheiro e construiu um edificio residencial em São Paulo, no bairro Higienopolis, dando-lhe o nome de seu pai.



Pioneiro em Ribeirão Preto no ramo de carros importados, Antonio era considerado uma pessoa solidaria e diferenciada, que andava de carro importado e adorava fumar cigarros norte-americanos, luxo só permitido as grandes personalidades da epoca.  Depois do fechamento da firma., cada um dos irmãos seguiu um rumo diferente.



O patriarca da familia faleceu em 10 de Junho de 1953, vitima  de problemas cardiacos.  Em 30 de Abril de 1962, sua esposa tambem faleceu, em Ribeirão Preto.  O idealizador da empresa, Antonio Achê , resolveu aplicar todo o dinheiro ganho com a venda dos apartamentos na construtora Tres Leoes, de São Paulo, que repassava os juros das aplicações aos irmãos Achê.  Antonio morreu em 11 de outubro de 1962, vitimado por um enfisema pulmonar, e foi o unico dos irmãos a não deixar descendentes.  Após a venda da empresa de onibus, Rubens, Alfredo e José passaram a trabalhar como corretores de imoveis.  Sergio vendeu carros e Inacio ajudava a amiga Geni a cuidar de uma loja de frutas e vitaminas aberta por ela.


Nicolau Achê, nascido em 6 de julho de 1911, tornou-se o encarregado da garagem dos onibus na empresa da familia e tambem seguiu carreira de jogador de futebol, tendo atuado no Comercial, Botafogo, Corinthians e Fluminense.  Na equipe carioca, Nicolau jogou ao lado de Elba de Padua Lima, o Tim.  De acordo com familiares, teve a chance de disputar a Copa do Mundo de 1938 ao ser convocado para a seleção brasileira, mas acabou fugindo da concentração e dispensado pela comissão técnica.  Fora do âmbito esportivo, familiar e profissional, exerceu um importante papel de guia espiritual, pois era sensitivo e usava seu carisma para praticar boas ações.  Com a ajuda do medium Geraldo Ramos, durante muito tempo gravou palestras eruditas, com um estilo literario a moda do inicio do seculo, atribuidas a um suposto espirito chamado Cirineu, que seria o sabio Luiz Pereira Barreto, um dos mais importantes intelectuais de Ribeirão Preto.

Apesar do carisma que possuia, jamais dedicou-se ao dogmatismo religioso, seja fundando centros ou impondo pontos de vista.  Era ecumenico e o dom da cura, para ele, era uma especie de pronto-socorro espiritual de muitos aflitos.  Em seu trabalho, não media sacrificios pessoais e nem objetivava qualquer recompensa.  Seu forte era a reza, principalmente o "Pai Nosso" .  Procurava orar sempre, num ritual simples, chamado passe.

Nos tempos de repressão, entre 1964 e 1969, empenhou-se junto as autoridades revolucionarias, muitas espiritas, com o objetivo de conseguir melhor tratamento para os presos  politicos.  Modelado por suas cinrcunstancias, Nicolau Achê teve uma postura proxima a dos primitivos cristãos.  Viveu de modo paulatino, da mocidade a velhice, um processo de continua espiritualização, que o levou a morte tranquila, enquanto dormia.  O ex-chefe da garagem dos onibus da empresa da familia foi vitima de problemas cardiacos e faleceu em 3 de maio de 1991, pouco antes de completar 80 anos.  Seu irmão Rubens que chegou a jogar no Botafogo, foi assassinado no Jardim Irajá, em Ribeirão Preto, Rubens notou que um homem disparava tiros em varias direções e quando tentou pedir calma ao rapaz para que não machucasse ninguem, acabou atingido no baço por uma bala, foi levado ao hospital, mas não resistiu ao ferimento e faleceu.

Outros dois irmãos Achê faleceram em decorrencia de jogos de futebol.  Sergio estava apitando um jogo amistoso entre jogadores e amigos do Comercial, em 1986, quando teve uma rispida discussão com um amigo, cobrando que jogassem com paixão e amor a camisa.  Depois de passar mal e ser encaminhado ao hospital, não resistiu e tambem morreu.  Já o irmão Inacio faleceu durante um jogo do Comercial, no antigo campo da Mogiana.  A equipe de Ribeirão Preto vencia a Internacional de Bebedouro por 3 a 0, ainda no primeiro tempo, quando Inacio não resistiu a emoção pela vitoria de seu time e teve uma parada cardiaca fatal no proprio estadio em 18 de maio de 1958.  Com sua morte, a partida acabou interrompida.

Em homenagem a uma das familias percusoras do transporte coletivo em Ribeirão Preto, há duas ruas no Jardim Irajá com os nomes de Manoel Achê e Antonio Achê, e outra no Maria Casa Grande Lopes que leva o nome de Nicolau Achê.  O antigo terminal de onibus municipal, transformado no Centro Popular de Compras, tambem levava o nome de Antonio Achê.  Alem dos pais quase todos os filhos morreram em decorrencia de problemas cardiacos, com exceção de Antonio, vitima de um enfizema pulmonar, e Rubens, que foi assassinado.

Os descendentes diretos de Manoel Achê deixaram 29 filhos e nenhum deles resolveu aventurar-se em empresas de onibus e automoveis.  Apenas Fabricio Achê, bisneto de Manoel e neto de Inacio, seguiu a carreira do tio Antonio e montou uma garagem de automoveis em Sertãozinho.

fonte:  Fasciculo n. 33 parte integrante da Revista REVIDE n. 183.  Texto:  Paulo Viatri:  Fotos:  Julio Sian, Arquivos Revide.