Abaixo, alguns causos e contos da história recente de meu pai Antonio Achê Sobrinho o "Toninho" escrito por seu amigo e companheiro de viagem, o Nicolau "LAU" Baptista em seu blog
sábado, 23 de maio de 2009
UMA CASA NO CAMPO CONTINUA SENDO UMA BOA OPÇÃO
Nos
anos 70, quando comecei a trabalhar em jornal, era comum o Toninho Achê
passar no jornal depois da faculdade e juntos irmos para a chácara da
família dele que ficava na Palmeirinha, atravessando a rodovia
Anhanguera atrás do Jockey Clube.
Lá, tinha uma pequena casa com uma sala, um quarto, um banheiro e uma cozinha. Na sala, tinha um quadro grande, desses que vendem pelas ruas das cidades, com uma paisagem bucólica super colorida.
Neste quadro, o Toninho escreveu com uma caneta bic: Eu quero uma casa no campo onde possa compor muitos rocks rurais.
Ontem, dia 22 de maio, morreu o Zé Rodrix, autor da música Casa no Campo que fez muito sucesso nos anos 70 cantado pela Elis Regina.
Zé Rodrix também fez outros grandes sucessos como as músicas "Mestre Jonas" e "Soy Latino Americano".
O tempo passou, o mundo mudou, mas lendo a letra da música agora, da para entender o porque do sucesso, afinal, a idéia continua sendo muito boa, não é?.
Casa No Campo
Composição: Zé Rodrix e Tavito
Eu quero uma casa no campo
Lá, tinha uma pequena casa com uma sala, um quarto, um banheiro e uma cozinha. Na sala, tinha um quadro grande, desses que vendem pelas ruas das cidades, com uma paisagem bucólica super colorida.
Neste quadro, o Toninho escreveu com uma caneta bic: Eu quero uma casa no campo onde possa compor muitos rocks rurais.
Ontem, dia 22 de maio, morreu o Zé Rodrix, autor da música Casa no Campo que fez muito sucesso nos anos 70 cantado pela Elis Regina.
Zé Rodrix também fez outros grandes sucessos como as músicas "Mestre Jonas" e "Soy Latino Americano".
O tempo passou, o mundo mudou, mas lendo a letra da música agora, da para entender o porque do sucesso, afinal, a idéia continua sendo muito boa, não é?.
Casa No Campo
Composição: Zé Rodrix e Tavito
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
Meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
E nada mais
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Riberão Preto, Letra A
Breve roteiro da memória amorosa da cidade a partir da primeira letra do alfabeto.
ANTONIO ACHÊ SOBRINHO
- Filósofo da década de 1970, que, a despeito desse passado, jamais
entrará para a História ou escreverá livros. Fez discípulos, como
Sócrates, ao redor de bucólicas fogueiras nas madrugadas ingênuas do
alto da cidade.
Texto de Rosana Zaidan publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07
http://nadanovodebaixodosol.blogspot.com.br/2009/10/riberao-preto-letra.html
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Dezembro de 1980, há exatos 30 anos. Eu, Toninho Achê, Rose Monteiro, Bia Nogueira, Rose Araújo, Luís Cesar Antunes (o Francês), João Paulo (meu irmão) e com incentivo e apoio do Geraldo Hasse, transformamos uma ideia em realidade.
Fizemos essa revista, que pretendia fazer um roteiro de compras e informações da cidade de Ribeirão Preto, porque acreditávamos no crescimento da cidade que, na época, ia atingir 300 mil habitantes.
Um
tempo depois a revista foi transferida para o "Cadin" - Luís Ricardo
Castelfranchi, que atualmente mora em Campos do Jordão e dirige o Guia
mais bem feito desse Brasil.
Querendo ou não, isso já é história.
Querendo ou não, isso já é história.
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Casa de Cristo
Sentados, Diô (Dionísio) Lu (Luiz Otávio Bauso) Toninho (Antonio Achê Sobrinho), no chão, José Carlos Faciolli, Rosana Zaidan e Vera Helena Conrado. Na parede, no centro, o quadro do palhaço, foi feito por mim e doado à Casa.
Essa foto é um belo documento, sobre a famosa Casa de Cristo, no ano de 1972, há exatos 38 anos.
Localizada na Rua Álvaro Costa Couto, antiga Rua das Paineiras e, por uns 10 anos, a rua da Casa de Cristo. Ali, um grupo de jovens que se intitulavam cristãos, na sua grande e expressiva maioria, menores de 18 anos, eram liderados por Dirceu Biason, que na época havia deixado a Igreja Batista Livre, se não me engano. Dirceu também um jovem, com no máximo 24, 25 anos, e com idéias interessantes sobre a Fé, Esperança e Novidade de Vida, uniu-se a esses jovens para criar uma igreja de acordo com a época.
O mundo fervia com os hippies, as comunidades onde moravam homens, mulheres e crianças. Projetos alternativos eram a moda em todos as áreas. Nos EUA já existiam grupos como os Jesus People, que moravam em comunidade, vestiam-se como hippies e pregavam a palavra de Jesus Cristo como a única saída.
A casa, foi alugada com ajuda do pai de um dos garotos e de um médico evangélico. Logo, o pequeno grupo fez um jantar com ajuda de outra família e, com o dinheiro arrecadado, foram feito sofás com caixas de bacalhau (onde estão sentados o pessoal da foto), com almofadas, confeccionadas pelas moças. Alguns trouxeram quadros, posters, cadeiras velhas, mesas, colchão, enfim, em pouco tempo a casa foi tomando forma e identidade.
A frente da casa tinha uma pequena grade baixa, com um jardim curtinho e uma grande vidraça, que devassava toda a sala, o principal lugar onde todos ficavam. As portas eram abertas para os convidados, religiosos, ateus, curiosos, pensadores, professores, pais, filhos, alunos e desocupados.
Ali, num espaço de 6 meses, aconteceu uma das ações mais interessantes que acompanhei na minha vida. O Dirceu casou com a Adélia, e os dois foram de lua de mel para os Estados Unidos.
Nesse período, sem lideres, sem conhecimento, sem formas, regras, ou o que você quiser pensar, um bando, de no máximo 30 jovens, os mais velhos com 18 anos, tornaram-se 300.
Eram jovens inteligentes, que liam a bíblia e queriam mudar o mundo pela pregação da palavra. Na sua grande maioria eram bons estudantes, filhos de família de classe média, sem grandes preocupações.
Em pouco tempo, nasceu um grupo de músicos, outro de teatro e assim, as pessoas iam surgindo de todos os cantos e eles iam se multiplicando.
A casa fervia desde cedo. E já existiam grupos que ajudavam nas favelas, cadeia pública, hospitais, creches e etc. Para poderem se locomover e levar comida e remédios para quem precisava, eles trabalhavam, entregando jornal, lavando carro ou fazendo jardim.
Em pouco tempo, aos domingos, as reuniões ficavam tão cheias, que as pessoas precisavam ficar na calçada para acompanhar.
Hoje, quase 40 anos depois, o pessoal da Casa de Cristo ainda é identificado e, entre eles, existem juízes, advogados, médicos, jornalistas, arquitetos, engenheiros, empresários, músicos e muita gente boa.
Lau Baptista
Essa foto é um belo documento, sobre a famosa Casa de Cristo, no ano de 1972, há exatos 38 anos.
Localizada na Rua Álvaro Costa Couto, antiga Rua das Paineiras e, por uns 10 anos, a rua da Casa de Cristo. Ali, um grupo de jovens que se intitulavam cristãos, na sua grande e expressiva maioria, menores de 18 anos, eram liderados por Dirceu Biason, que na época havia deixado a Igreja Batista Livre, se não me engano. Dirceu também um jovem, com no máximo 24, 25 anos, e com idéias interessantes sobre a Fé, Esperança e Novidade de Vida, uniu-se a esses jovens para criar uma igreja de acordo com a época.
O mundo fervia com os hippies, as comunidades onde moravam homens, mulheres e crianças. Projetos alternativos eram a moda em todos as áreas. Nos EUA já existiam grupos como os Jesus People, que moravam em comunidade, vestiam-se como hippies e pregavam a palavra de Jesus Cristo como a única saída.
A casa, foi alugada com ajuda do pai de um dos garotos e de um médico evangélico. Logo, o pequeno grupo fez um jantar com ajuda de outra família e, com o dinheiro arrecadado, foram feito sofás com caixas de bacalhau (onde estão sentados o pessoal da foto), com almofadas, confeccionadas pelas moças. Alguns trouxeram quadros, posters, cadeiras velhas, mesas, colchão, enfim, em pouco tempo a casa foi tomando forma e identidade.
A frente da casa tinha uma pequena grade baixa, com um jardim curtinho e uma grande vidraça, que devassava toda a sala, o principal lugar onde todos ficavam. As portas eram abertas para os convidados, religiosos, ateus, curiosos, pensadores, professores, pais, filhos, alunos e desocupados.
Ali, num espaço de 6 meses, aconteceu uma das ações mais interessantes que acompanhei na minha vida. O Dirceu casou com a Adélia, e os dois foram de lua de mel para os Estados Unidos.
Nesse período, sem lideres, sem conhecimento, sem formas, regras, ou o que você quiser pensar, um bando, de no máximo 30 jovens, os mais velhos com 18 anos, tornaram-se 300.
Eram jovens inteligentes, que liam a bíblia e queriam mudar o mundo pela pregação da palavra. Na sua grande maioria eram bons estudantes, filhos de família de classe média, sem grandes preocupações.
Em pouco tempo, nasceu um grupo de músicos, outro de teatro e assim, as pessoas iam surgindo de todos os cantos e eles iam se multiplicando.
A casa fervia desde cedo. E já existiam grupos que ajudavam nas favelas, cadeia pública, hospitais, creches e etc. Para poderem se locomover e levar comida e remédios para quem precisava, eles trabalhavam, entregando jornal, lavando carro ou fazendo jardim.
Em pouco tempo, aos domingos, as reuniões ficavam tão cheias, que as pessoas precisavam ficar na calçada para acompanhar.
Hoje, quase 40 anos depois, o pessoal da Casa de Cristo ainda é identificado e, entre eles, existem juízes, advogados, médicos, jornalistas, arquitetos, engenheiros, empresários, músicos e muita gente boa.
Lau Baptista
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Quelé
Em
1965 fui morar na Rua Nélio Guimarães entre as Ruas Mal. Deodoro e
Floriano Peixoto, no Alto da Boa Vista. Era um lugar ermo, um
descampado em meio a fazendas.
A mudança foi repentina, e a casa não tinha muros. Numa tarde, a porta aberta da copa permitiu a entrada de uma vaca, procurando comida na mesa posta.
A Rua Airton Roxo, duas antes da Nélio Guimarães, era a última habitada. Na esquina da Rua Mal. Deodoro morava o Carlos Solera e sua penca de irmãos. No meio do quarteirão entre a Mal. Deodoro e a Sete de setembro morava o Dr. Onésio da Mota Cortez, pai do Camilo e do Getulio Vargas. Era jornalista e nunca tomava uma condução. Mesmo em idade avançada, quatro vezes por dia percorria a pé os 3 Kms. que separam sua casa do jornal “A Cidade”, onde assinava uma coluna sob o pseudônimo de “Zeca Camilo”.
Em frente ao Dr. Onésio veio morar o futuro Deputado Federal João Cunha.
Ao lado havia uma casa, e em seguida um terreno vazio onde Quelé acendia sua fogueira.
Quelé foi guarda noturno por muitos anos, até quando sua saúde permitiu. Milhares de madrugadas ao tempo e ao vento e à friagem minaram a saúde de seu forte corpo negro. Ele dizia que sua avó fora escrava. Em troca de alguns trocados, velava o sono dos moradores da rua. E assim, ganhando a vida, aos poucos a perdeu.
Quelé veio do campo, expulso pela mecanização das lavouras. Na cidade o preto velho só conseguiu ser guarda noite.
E se de cidades ele pouco sabia, em natureza era mestre, e da roça trouxe o costume de acender o fogo a noite. No inverno para espantar o frio, no verão para ter companhia nas longas noites de vigília, e sempre para esquentar a comida.
Como o homem gosta do fogo, as pessoas foram chegando a fogueira, primeiro os outros guardas, o Lambari, que contava ter certa vez tomado uma chuva de lambaris, o Zé Toco que não tinha uma das mãos, vivo até hoje, guarda noturno na esquina da Rua Floriano Peixoto com Altino Arantes. Sentavam-se ao fogo, esquentavam o jantar, comiam, e fumando, contavam “causos”. Depois vieram os moradores vizinhos, como o pai do Dr. Wagner Carlucci, que morava em frente, no início da noite, saber de Quelé se ia chover. Ele sempre acertava a previsão. Seu conhecimento baseava-se na observação, durante toda vida, mais de 80 anos talvez, ele nem sabia ao certo, dos fenômenos da natureza.
Quelé analisava o comportamento dos animais, sabia que quando o urutau pia à noite, no campo, iria chover. Escutava o vento, “o do noroeste mandava na nossa chuva”. Já o vento sul, traz o frio. Certa madrugada me disse que na hora em que a lua “caísse no horizonte”, choveria se o vento noroeste continuasse soprando na mesma velocidade. A precisão desta previsão eu constatei.
Um dia me disse: Você pode regar uma planta diariamente por um mês, bastará apenas uma hora de chuva para ela ficar viçosa.A água da chuva tem uma “potassa” que Nosso Senhor põe nela, que nenhuma outra água tem. É verdade!
A freqüência à fogueira foi aumentando, ela era generosa como Sol, aquecia qualquer tipo de gente que lá chegasse.
Em roda dela conviviam playboys chegados de corridas de automóveis na Ribeirânia, policiais montados à cavalo que faziam a ronda. Ás vezes um ou outro ladrão que vinha acender um cigarro, garotos e garotas de todas as cores e tons que vinham fumar cigarros menos ortodoxos. Quelé permitia, até gostava do cheiro da fumaça, ele só não admitia que se cuspisse ou urinasse no fogo, aí ficava bravo, dizia que o fogo era coisa de Deus e aquilo era um grande desrespeito.
Passaram por lá grandes violonistas que espalhavam notas musicais pelas madrugadas. Ás vezes o deputado João Cunha declamava Fernando Pessoa junto ao fogo. Era bonito!
Sempre havia o rádio de um carro sintonizado no programa do Big-Boy na rádio Mundial.Um dia, o locutor, que só tocava rock, anunciou que ia tocar uma música nova de Gilberto Gil. Era o Expresso 2222.
Quando aquele violão maravilhoso invadiu a quietude da noite, fez-se silêncio completo. Todos escutavam encantados. Quando terminou, Quelé exclamou: “Êta, baiano safado!” Como ele sabia?
Discutia-se religião também, o Lau Baptista e o Toninho Achê filiaram-se ao movimento religioso ”Casa de Cristo” e tentavam converter os outros a esta religião.
Discutia-se política também, mais reservadamente, pois os tempos eram bicudos.
Outro que sempre estava por lá era o futuro médico Rubens Sérgio Achê, cuja tia, Dona Faride morava na esquina da rua Sete de Setembro.
Quelé não tinha instrução formal, mas era um homem sábio, sabia escutar, e às vezes emitia opiniões perspicazes.
No fim da vida, quando já nem se levantava mais, vivia de favor na casa de um cunhado que o acolheu. A pequena aposentadoria que o deputado João Cunha lhe arranjou mal dava para comprar os remédios que precisava tomar. Alguns poucos amigos do tempo da fogueira o ajudavam com algum dinheiro.
No lugar onde ele acendia seu fogo, hoje é a sala de TV da casa lá construída. Sob as cinzas da fogueira sepultou-se o bom uso de conversar.
“Lá em casa a roda já mudouA mudança foi repentina, e a casa não tinha muros. Numa tarde, a porta aberta da copa permitiu a entrada de uma vaca, procurando comida na mesa posta.
A Rua Airton Roxo, duas antes da Nélio Guimarães, era a última habitada. Na esquina da Rua Mal. Deodoro morava o Carlos Solera e sua penca de irmãos. No meio do quarteirão entre a Mal. Deodoro e a Sete de setembro morava o Dr. Onésio da Mota Cortez, pai do Camilo e do Getulio Vargas. Era jornalista e nunca tomava uma condução. Mesmo em idade avançada, quatro vezes por dia percorria a pé os 3 Kms. que separam sua casa do jornal “A Cidade”, onde assinava uma coluna sob o pseudônimo de “Zeca Camilo”.
Em frente ao Dr. Onésio veio morar o futuro Deputado Federal João Cunha.
Ao lado havia uma casa, e em seguida um terreno vazio onde Quelé acendia sua fogueira.
Quelé foi guarda noturno por muitos anos, até quando sua saúde permitiu. Milhares de madrugadas ao tempo e ao vento e à friagem minaram a saúde de seu forte corpo negro. Ele dizia que sua avó fora escrava. Em troca de alguns trocados, velava o sono dos moradores da rua. E assim, ganhando a vida, aos poucos a perdeu.
Quelé veio do campo, expulso pela mecanização das lavouras. Na cidade o preto velho só conseguiu ser guarda noite.
E se de cidades ele pouco sabia, em natureza era mestre, e da roça trouxe o costume de acender o fogo a noite. No inverno para espantar o frio, no verão para ter companhia nas longas noites de vigília, e sempre para esquentar a comida.
Como o homem gosta do fogo, as pessoas foram chegando a fogueira, primeiro os outros guardas, o Lambari, que contava ter certa vez tomado uma chuva de lambaris, o Zé Toco que não tinha uma das mãos, vivo até hoje, guarda noturno na esquina da Rua Floriano Peixoto com Altino Arantes. Sentavam-se ao fogo, esquentavam o jantar, comiam, e fumando, contavam “causos”. Depois vieram os moradores vizinhos, como o pai do Dr. Wagner Carlucci, que morava em frente, no início da noite, saber de Quelé se ia chover. Ele sempre acertava a previsão. Seu conhecimento baseava-se na observação, durante toda vida, mais de 80 anos talvez, ele nem sabia ao certo, dos fenômenos da natureza.
Quelé analisava o comportamento dos animais, sabia que quando o urutau pia à noite, no campo, iria chover. Escutava o vento, “o do noroeste mandava na nossa chuva”. Já o vento sul, traz o frio. Certa madrugada me disse que na hora em que a lua “caísse no horizonte”, choveria se o vento noroeste continuasse soprando na mesma velocidade. A precisão desta previsão eu constatei.
Um dia me disse: Você pode regar uma planta diariamente por um mês, bastará apenas uma hora de chuva para ela ficar viçosa.A água da chuva tem uma “potassa” que Nosso Senhor põe nela, que nenhuma outra água tem. É verdade!
A freqüência à fogueira foi aumentando, ela era generosa como Sol, aquecia qualquer tipo de gente que lá chegasse.
Em roda dela conviviam playboys chegados de corridas de automóveis na Ribeirânia, policiais montados à cavalo que faziam a ronda. Ás vezes um ou outro ladrão que vinha acender um cigarro, garotos e garotas de todas as cores e tons que vinham fumar cigarros menos ortodoxos. Quelé permitia, até gostava do cheiro da fumaça, ele só não admitia que se cuspisse ou urinasse no fogo, aí ficava bravo, dizia que o fogo era coisa de Deus e aquilo era um grande desrespeito.
Passaram por lá grandes violonistas que espalhavam notas musicais pelas madrugadas. Ás vezes o deputado João Cunha declamava Fernando Pessoa junto ao fogo. Era bonito!
Sempre havia o rádio de um carro sintonizado no programa do Big-Boy na rádio Mundial.Um dia, o locutor, que só tocava rock, anunciou que ia tocar uma música nova de Gilberto Gil. Era o Expresso 2222.
Quando aquele violão maravilhoso invadiu a quietude da noite, fez-se silêncio completo. Todos escutavam encantados. Quando terminou, Quelé exclamou: “Êta, baiano safado!” Como ele sabia?
Discutia-se religião também, o Lau Baptista e o Toninho Achê filiaram-se ao movimento religioso ”Casa de Cristo” e tentavam converter os outros a esta religião.
Discutia-se política também, mais reservadamente, pois os tempos eram bicudos.
Outro que sempre estava por lá era o futuro médico Rubens Sérgio Achê, cuja tia, Dona Faride morava na esquina da rua Sete de Setembro.
Quelé não tinha instrução formal, mas era um homem sábio, sabia escutar, e às vezes emitia opiniões perspicazes.
No fim da vida, quando já nem se levantava mais, vivia de favor na casa de um cunhado que o acolheu. A pequena aposentadoria que o deputado João Cunha lhe arranjou mal dava para comprar os remédios que precisava tomar. Alguns poucos amigos do tempo da fogueira o ajudavam com algum dinheiro.
No lugar onde ele acendia seu fogo, hoje é a sala de TV da casa lá construída. Sob as cinzas da fogueira sepultou-se o bom uso de conversar.
Que a moda muda
A roda é triste
A roda é muda
Em volta lá da televisão”
(Chico Buarque)
Texto de Sergio Von Gal publicado no Guia Sul de Ribeirão - Edição Dez 2008